quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Pensando o trabalho (Primeiro Ano do Ensino Médio)

O PADEIRO

Rubem Braga

Levanto cedo, faço minhas abluções, ponho a chaleira no fogo para fazer café e abro a porta do apartamento – mas não encontro o pão costumeiro. No mesmo instante me lembro de ter lido alguma coisa nos jornais da véspera sobre a “greve do pão dormido”. De resto não é bem uma greve, é um lock-out, greve dos patrões, que suspenderam o trabalho noturno; acham que obrigando o povo a tomar seu café da manhã com pão dormido conseguirão não sei bem o que do governo.

Está bem. Tomo o meu café com pão dormido, que não é tão ruim assim. E enquanto tomo café vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quanto vinha deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas para não incomodar os moradores, avisava gritando:

__ Não é ninguém, é o padeiro!

Interroguei-o uma vez: como tivera a idéia de gritar aquilo?

“Então você não é ninguém?”

Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes acontecera bater a campainha de uma cada e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: “não é ninguém, não senhora, é o padeiro”. Assim ficara sabendo que não era ninguém...

Ele me contou isso sem mágoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo. Eu não quis detê-lo para explicara que estava falando com um colega, ainda que menos importante. Naquele tempo eu também, como os padeiros, fazia o trabalho noturno. 

Era pela madrugada que deixava a redação de jornal, quase sempre depois de uma passagem pela oficina – e muitas vezes saía já levando na mão um dos primeiros exemplares rodados, o jornal ainda quentinho da máquina, como o pão saindo do forno.

Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E às vezes me julgava importante porque o jornal que levava para casa, além de reportagens ou notas que eu escrevera sem assinar, ia uma crônica ou artigo com o meu nome. O jornal e o pão estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu coração eu recebi a lição de humildade daquele homem entre todos útil e entre todos alegre; “não é ninguém, é o padeiro!”

E assobiava pelas escadas.

(BRAGA, 1969).

___________________________________________________

Em grupo de 4 ou 5 pessoas responda (valor 2 pontos)

  1. Qual é o problema que o narrador enfrenta logo no início da crônica? Como isso se relaciona com o trabalho do padeiro?
  2. Como o padeiro se descreve? O que a frase "não é ninguém, é o padeiro!" revela sobre a percepção social e a autopercepção do trabalhador?
  3.  A crônica menciona uma "greve do pão dormido". Que tipo de greve é essa? Qual o objetivo dela?
  4. Que tipo de greve é mencionada na música? Qual é o impacto dela na cidade e na vida das pessoas? Existe relação entre as duas essas greves?
  5. Na sua percepção, em nossa sociedade, quais trabalhos são mais valorizados e quais são menos valorizados? Por que isso ocorre?
___________________________________________________

“Fermento pra Massa”, Criolo


Hoje eu vou comer pão murcho
Padeiro não foi trabalhar
A cidade tá toda travada
É greve de busão, tô de papo pro ar
Hoje eu vou comer pão murcho
Padeiro não foi trabalhar
A cidade tá toda travada
É greve de busão, tô de papo pro ar
Tem fiscal que é partideiro
Motorista, bicheiro e DJ cobrador
Tem quem desvie dinheiro e atrapalha o padeiro
Olha aí, seu doutor!
Eu que odeio tumulto
Não acho um insulto manifestação
Pra chegar um pão quentinho
Com todo respeito a cada cidadão
Hoje eu vou comer pão murcho
Padeiro não foi trabalhar
A cidade tá toda travada
É greve de busão, tô de papo pro ar
Hoje eu vou comer pão murcho
Padeiro não foi trabalhar
A cidade tá toda travada
É greve de busão, tô de papo pro ar
Tem fiscal que é partideiro
Motorista, bicheiro e DJ cobrador
Tem quem desvie dinheiro e atrapalha o padeiro
Olha aí, seu doutor!
Eu que odeio tumulto
Não acho um insulto manifestação
Pra chegar um pão quentinho
Com todo respeito a cada cidadão
Então, parei (parei)
E até pensei (pensei)
Tem quem goste
Assim do jeito que tá
Farinha e cachaça é fermento pra massa
Quem não tá no bolo disfarça a desgraça
Sonho é um doce difícil de conquistar
Seu padeiro quer uma casa pra morar
Hoje eu vou comer pão murcho
Padeiro não foi trabalhar
A cidade tá toda travada
É greve de busão, tô de papo pro ar
Hoje eu vou comer pão murcho
Padeiro não foi trabalhar
A cidade tá toda travada
É greve de busão, tô de papo pro ar