Catástrofe e tempo
Vincent Garton
2017
Vincent Garton
2017
Algo deu errado com o tempo.
Isso não é novidade. Debates estão ocorrendo pela internet sobre se estamos na “melhor linha do tempo” ou na “linha do tempo mais sombria”. Eventos que pareciam inimagináveis ocorrem, grosseiramente, e depois se negam, depois negam sua própria negação – em meses, semanas, dias, minutos. A própria história está indo ao contrário. Ninguém menos do que o New Yorker questionou se os acontecimentos recentes sugerem que possamos estar vivendo em uma simulação de computador – onde “o mundo ficou doido”. Hegel enlouquecido.
Existe, pelo menos, um nome para essa disseminada esquisitice temporal. Nick Land nomeou essa condição – ou algo como ela – como “templexidade”. A templexidade, em sua essência, é a inerente nêmesis que responde, continuamente, à reversão negentrópica hubristicamente escalonante que o modernismo faz das leis da termodinâmica. É a externalidade radical de seu desafio ao Vazio. Quando a humanidade brinca com o tempo, a templexidade está nos redemoinhos e turbilhões que deixamos para trás – na própria Xangai de Land, o choque “estratégico” dos diferentes futuros e das diferentes épocas históricas suspensas caleidoscopicamente defronte às visões ascendentes da cidade.
Este exemplo pode parecer suficientemente moderado. Mas em condições de enorme excesso – em condições, isto é, de catástrofe – a geração de templexidade é levada a extremos. O tempo se distorce e esgarça, ameaçando se desintegrar inteiramente. A estrita e confortável causalidade de eventos parece desmoronar. Eles assumem, como George Sansom observou sobre os últimos anos loucos do Japão antes da Restauração Meiji, “a plausível inconsequência, a lógica sobrenatural de eventos em um sonho”, capturando a vida no imenso redemoinho de uma aceleração convulsiva e perversa da história. A longue durée, que normalmente se esconde modestamente por trás do véu dos séculos vindouros, acontece, ao invés, com obscenidade pornográfica diante dos olhos dos vivos.
O fenômeno remonta às origens políticas encharcadas de sangue da modernidade: pouco antes da abaladora insurreição de 10 de agosto de 1792, que acabou com a monarquia francesa, os militantes do Mauconseil proclamaram, em 4 de agosto, que “cada dia, cada hora, cada minuto, está se tornando séculos, está se tornando eternidade”. Cada instante, como o Mauconseil viu, assume a gravidade de uma era histórica. O tempo se dilata, mas também se comprime: cada momento se arrasta, mas olhando para trás, você dificilmente consegue acreditar na rapidez com que tudo ocorreu.
Agora, parece, estamos experimentando a mesma extrema templexidade. “Presidente Trump”: o rótulo ainda tem a qualidade de um sonho. Cada dia traz notícias fantásticas. Os Oscars foram apenas o último exemplo. Acima de tudo, as crenças de longa data estão sendo varridas, afogadas em uma maré crescente que fatidicamente ameaça sobrepujar a ordem política do pós-guerra (que ela retorne às suas origens: que possa jazer na guerra).
Agora, parece, estamos experimentando a mesma extrema templexidade. “Presidente Trump”: o rótulo ainda tem a qualidade de um sonho. Cada dia traz notícias fantásticas. Os Oscars foram apenas o último exemplo. Acima de tudo, as crenças de longa data estão sendo varridas, afogadas em uma maré crescente que fatidicamente ameaça sobrepujar a ordem política do pós-guerra (que ela retorne às suas origens: que possa jazer na guerra).
Estamos vivendo tempos catastróficos. As reações que observamos podem não ser muito diferentes, afinal, das que Sansom viu no Japão: fúria milenarista, desespero, e até – perversamente – risadas abrangentes. A ironização da vida online pode não estar muito distante daqueles carnavais ee ja nai ka, onde os japoneses comuns abandonavam suas responsabilidades sociais e iam às ruas com alegrias dionísiacas obscenamente divorciadas de toda ordem política. Colapso. Magnus ab integro saeclorum nascitur ordo.
Deixemos de lado a questão de se o Universo como tal é uma simulação computacional, esta questão que, alternadamente, fascina e aterroriza pessoas como Nick Bostrom e Eliezer Yudkowsky. Nossa própria realidade, observavelmente, se tornou simulação o bastante de qualquer forma. Além disso, nós conhecemos muito bem o seu operador alienígena. Feiticeiro, teu nome é capital.
Deixemos de lado a questão de se o Universo como tal é uma simulação computacional, esta questão que, alternadamente, fascina e aterroriza pessoas como Nick Bostrom e Eliezer Yudkowsky. Nossa própria realidade, observavelmente, se tornou simulação o bastante de qualquer forma. Além disso, nós conhecemos muito bem o seu operador alienígena. Feiticeiro, teu nome é capital.
Em um mundo consumido pelos fluxos sempre automatizantes do capital, tudo se tornou irreal – ou como Baudrillard viu em O Crime Perfeito, a própria realidade é uma commodity. A acumulação de capital, de fato, indexa a reversão do tempo da modernidade. A grande e contínua concentração da indústria é precisamente o motor que impulsiona a reversão (por assim dizer) da termodinâmica: concentração de indústria, concentração de capital, concentração de energia – negentropia. A descentralização cibernética dificilmente mudou isso, alimentando-se de quantidades de energia exponencialmente elevadas, ao ponto que exigimos, como Marinetti uma vez o fez, a escravização do próprio Sol.
No entanto, como a própria ur-catástrofe da Revolução Francesa também mostra, existem outras forças que aguardam, sem querer nada além de tomar o controle. Se a catástrofe, como acredito, é idêntica ao excesso, a questão da catástrofe contemporânea se torna: um excesso de quê? Em 2017, certamente não é um excesso de capital que estamos lidando: como já comentei antes, os índices da globalização estão diminuindo, não aumentando, e o reinado de Trump intensificará essa tendência. Esta não é uma clássica crise capitalista de superprodução.
Há outro locus de excesso. A modernidade é uma história não apenas da acumulação de capital, mas da acumulação da cibernética, da interconectividade social, que atingiu seu primeiro apogeu nas monstruosas “massas fundidas” (Jan-Werner Müller) do século XX, cujo avanço implacável foi apenas temporariamente evitado (ou satisfeito) pelas elitistas instituições liberais do pós-guerra.
Há outro locus de excesso. A modernidade é uma história não apenas da acumulação de capital, mas da acumulação da cibernética, da interconectividade social, que atingiu seu primeiro apogeu nas monstruosas “massas fundidas” (Jan-Werner Müller) do século XX, cujo avanço implacável foi apenas temporariamente evitado (ou satisfeito) pelas elitistas instituições liberais do pós-guerra.
Os especialistas técnicos da macroeconomia se preocupam com o subconsumo de produtos – ferramentas como o quantitative easing tentam restaurá-lo à vida – mas existe uma coisa que estamos consumindo cada vez mais, com pouco sinal de reversão, freneticamente: informação. Apesar de todo ressentimento retrospectivo que os eventos políticos dos últimos anos abarcaram, 2016 foi também radicalmente novo: foi o primeiro ano da política cibernética, onde a internet se transformou, parcial e intermitentemente, de um instrumento de racionalidades políticas existentes em uma subjetividade própria. Então, que isso isso comece nosso novo calendário.
A implacável compressão da cibernética inaugurou uma nova forma e uma nova era da política de massas e a catástrofe que estamos experimentando denota o seu nascimento.
Podemos retornar à minha pergunta implícita no início: o que deu errado com o tempo? O tempo, com certeza, tem “dado errado” desde o advento do capitalismo. Mas a catástrofe pela qual estamos passando é apenas indiretamente culpa do capital. O tempo está falhando porque a cibernética tomou os controles.
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Xenoeconomia e o Capital Desatado
por Alex Williams
por Alex Williams
Uma questão permanece aberta quanto ao atual estado do jogo com o desenrolar da desalavancagem financeira transglobal e a posterior aquisição governamental em massa de bancos: Esta é uma situação genuinamente sem precedentes ou simplesmente a última faceta dos negócios como de costume, uma crise no sistema ou meramente uma crise do sistema? O pessimismo do intelecto sugere o último, uma outra captura do desenvolvimento genuinamente alienígena do vírus-capital, em favor da manutenção de uma forma estável. O otimismo da vontade sugere que poderia haver base no opróbrio que o capital financeiro agora atrai (baixo nível de intensidade, mas extremamente amplo em termos de números), para algum tipo de novo movimento esquerdista proletário. MAS, e crucialmente, é difícil identificar quer uma posição ideológico/político-filosófica nova e energizada ou qualquer tipo de framework institucional (partido, movimento, massa, grupo guerrilheiro de ataque, etc.) com o qual focar essa negatividade. Exitem, por certo, alguns protestos limitados de trabalhadores socialistas e “parem com a guerra”, mas estes carecem tanto de escala quanto da energia de novas ideias. Tudo que está em oferta ali é esquerdismo/anticapitalismo requentado, sem a energia de qualquer lugar para se ir além de para trás (essencialmente um radicalismo-conservador, talvez). No dobrar de toda história contra esse perímetro impassável de término pós-moderno, mesmo o esquerdismo radical é fundamentalmente um mero embaralhamento de um baralho pré-existente de possibilidades desesperadas, assombradas, um eco, desabrigado, nostálgico. Deve-se temer que, enquanto for assim, a esquerda permaneça incapaz de derrotar o status quo ou de alcançar muito além do estabelecimento de zonas semi-autônomas de breve existência, muito rapidamente apagadas.
Talvez o que essa quebra ofereça, contudo, seja uma fenda na armadura do capital tardio, um evento badiouiano que evade as determinações estruturais comuns da situação. Em um sentido que Badiou não reconheceria (econômico), ela realmente dá uma oportunidade (como o fez a quebra de 1929) para recalibrar tanto a relação estado-mercado quanto o tipo de teoria econômica mobilizada pelos governos. Mas isso será meramente para recuar, para estabilizar, para manter o presente sistema, em uma nova forma, por quaisquer meios necessários e disponíveis. Politicamente, isso é menos claro, pois, a fim de que o potencial que esse evento oferece seja plenamente explorado, precisamos de uma política capaz de evadir completamente até mesmo o tipo de humanismo genérico que a política de Badiou (por exemplo) profere. Pois o impasse do fim da história só pode ser apropriadamente sobrepujado por uma superação niilista do humanismo– em um sentido, mesmo Badiou falha nesse teste, seu humanismo comunista mínimo não indo longe o suficiente. O que talvez isso possa implicar é um repensar de uma posição revolucionária, construída sobre a base de um repensar da própria noção de valor em si.
Em termos Realistas Especulativos, o que é necessário é pensar o em-si do capitalismo, fora de qualquer correlação com o humano. Ray Brassier já sugeriu isso em seu artigo “Nihil Unbound” original sobre Badiou, Deleuze & Guattari e Capitalismo. Pois certamente o que todas as análises do capitalismo presumiram até hoje é o ‘para-nós’ capitalista (interpretado em termos positivos ou negativos), ao passo em que o capital é, em última análise, uma máquina que não tem quase nenhuma relação que seja com a humanidade, ele tem intersecções conosco, nos tem como partes móveis, mas, em última análise, ele não é de ou para-nós. O capital propriamente pensado é uma vasta forma inumana, um forma de vida genuinamente alienígena (no sentido de que ele é inteiramente não-orgânico) sobre a qual sabemos muito pouco. Uma nova investigação dessa forma deve proceder precisamente como uma cartografia anti-antropomórfica, um estudo das finanças alienígenas, uma Xenoeconomia. O próprio Brassier tem evitado, nos últimos anos, uma discussão detalhada sobre o capitalismo, mas eu creio que as aplicações mais interessantes da filosofia realista especulativa podem bem surgir precisamente com uma releitura dos modelos de capitalismo tanto de Marx quanto de Deleuze & Guattari. A teoria de valor-trabalho de Marx falha em pensar o capitalista em-si, a capacidade de criar valor ex nihilo (isto é, crédito e todos os instrumentos financeiros construídos a partir de variações sobre esse tema). Para Marx, o crédito, o ‘capital virtual’ e a especulação construída sobre ele são “a forma mais elevada de loucura”. Em vez disso, devemos pensar sobre o capital ‘virtual’ embasado em crédito como a forma mais elevada de capital. Esta não é apenas uma mera mudança semântica, mas sim uma inversão revolucionária da TVT, que segue Deleuze & Guattari em considerar o capitalismo-como-processo, conduzido sobre formas sociais pré-existentes, desmontando-as e remontando-as para se adequarem aos seus próprio fins nefastos e atualmente obscuros. Como processo em vez de ‘coisa’ concreta, devemos considerar sua verdadeira natureza como estando contida em seu destino, em vez de nos blocos construtivos primitivos a partir dos quais ele originalmente se constituiu (isto é, nos mundos do capital ‘virtual’, em vez de na alienação do trabalho humano, que certamente é meramente um ponto de parada inicial).
Parte do que está em jogo aqui é pensar sobre o capitalismo fora da alienação. Pois, se quisermos seguir a tentativa de Badiou de um inumanismo completo, um salto total para além do modelo do animal em sofrimento, quem vem do ímpio humanismo bio-linguístico democrático-materialista, como por certo devemos, então uma teoria do valor não pode ser predicada sobre esse sofrimento original, o processo vodu de roubo da alma no cerne da alienação do trabalho na forma-mercadoria. Construir um modelo de capitalismo a partir de uma nova teoria de valor é necessário de quisermos evitar as armadilhas tanto do liberalismo democrático-materialista comensaliscamente corrupto, quanto do fim pós-moderno da história. O “polimorfo acéfalo cego” que é o capital deve ser abraçado, mas não do ponto de vista de algum entusiasmo ingênuo ou de um sentimento de esperança de que os mercados possam entregar a utopia. Ao invés, como o caminho para fora dos binários de um esquerdismo que é absoluta e irrecuperavelmente moribundo e uma economia neoliberal que está ideologicamente falida, devemos dobrar ambos juntos em face de um capitalismo inumano e infatigável, para pensar como poderíamos inculcar uma nova forma de subjetivação radicalmente inumana. Isto implica a recuperação do projeto comunista de um novo homem E a liberação da busca neoliberal por um capitalismo desatado, tanto de sua dependência subterrânea do estado quanto do a priori discursivo humanista esquelético que anima suas formas ideológicas.
Ao pensar como entregar essa subjetivação, uma desvinculação em direção ao absoluto, uma adequação absoluta da subjetividade pós-humana ao capital, o conceito crucial deve ser aquele da institucionalização – massas aglomerativas de poder (incluindo estados, corporações, ONGs, religiões, humanos individuais) todas as quais precisam ser dissolvidas. Em um sentido, isto é uma continuação e uma fusão tanto do comunismo marxista-leninista quanto do capitalismo neoliberal, mas onde não há necessidade de se tomar o estado, mas sim utilizar o capitalismo como um motor com o qual obliterar estados-nações. Contudo, fazer meramente isso seria inteiramente insuficiente, já que a função do estado dentro do capitalismo simplesmente seria tomada por figuras institucionais tais como corporações, que devem também, portanto, ser dissolvidas. Mas isto é meramente pensar na escala de atores institucionais grandes, devemos também continuar esta pulsão em direção à dissolução (a ser alimentada pela pura força de um capitalismo niilista desatado), em direção ao que Foucault denominou, de maneira nietzschiana em “As Palavras e As Coisas”, de ‘homem’ (esclarecido por Deleuze como a ‘forma-homem’, o tipo de auto-concepção dependente dos dobramentos da analítica da finitude). Também é necessário levantar a questão de como recalibrar esta forma de vida alienígena em direção a formas de dissolução que não se reestruturem imediatamente com tipos conservadores/familiais de subjetivação. Nossa contenção (seguindo Deleuze) é que isto está intrinsecamente ligado à taxa metabólica do capitalismo, atualmente restrita por sua relação simbiótica com o estado, que mantém a expansão do capital dentro de uma fórmula homeostática suficiente para prevenir que seu potenciais mais destrutivos sejam realizados. O que é necessário (quebrando com Deleuze) é utilizar as estruturas do capitalismo contra o estado, de uma maneira inteiramente terrorista, de modo a transformar a própria natureza da criatura lovecraftiana de pesadelos em si. Finalmente, poderíamos considerar que a máxima da política que resulta de tais análises xenoeconômicas é esta: “capitalismo [contra o] humano”.
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